quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Retrato

"Eu não tinha este rosto de hoje,
 assim calmo, assim triste, assim magro,
 nem estes olhos tão vazios,
 nem o lábio amargo.

 Eu não tinha estas mãos sem força,
 tão paradas e frias e mortas;
 eu não tinha este coração
 que nem se mostra.

 Eu não dei por esta mudança,
 tão simples, tão certa, tão fácil:
 -Em que espelho ficou perdida
 a minha face?"

Cecília Meireles.
Os melhores poemas, página 13, Global editora e distribuidora, 1984.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O teu corpo nu é um corisco
Um risco no firmamento
O desejo anda livre por teu corpo nu
Livre e de pés descalços.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

"Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça
 O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido,
 Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une,
 A sensação de arrepio, o medo do novo, a náusea-
 Aquela náusea que é o sentimento que sabe  que o corpo tem a alma.
 Trinta dias de viagem, três dias de viagem, três horas de viagem-
 Sempre a opressão se infiltra no fundo do meu coração."

Álvaro de Campos, Évora, 31/12/1929.
Poesia de Álvaro de Campos, página 333, Editora Martin Claret, 2006.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

"...
 Há sem dúvida quem ame o infinito,
 Há sem dúvida quem deseje o impossível,
 Há sem dúvida quem não queira nada-
 Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
 Porque eu amo infinitamente o finito,
 Porque eu desejo impossivelmente o possível,
 Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
 Ou até se não puder ser..."

 Álvaro de Campos.
Poesia de Álvaro de Campos, página 453 (trecho), Editora Martin Claret, 2006.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Eu lembro agora como fosse nunca, tudo ou mais
Eu acordo e te vejo passando pela porta do quarto
Eu lembro do teu resto e o teu rosto não importa
A tua foto na parede não me impressiona tanto quanto os teus movimentos
A tua presença
A vertigem.

O desejo vive a minha porta esperando
Eu quero abrí-la
E que você venha.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

"Começo a conhecer-me. Não existo.
 Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
 Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
 Sou isso, enfim...
 Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
 Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
 É um universo barato."

Álvaro de Campos.
Poesia de Álvaro de Campos, página 370, Editora Martin Claret, 2006.

domingo, 26 de agosto de 2012

Nome eu não tenho
Fome, alguma
Sede, desejo de vastas marés
Voar não sei
Cantar não posso
Gritar eu grito e emudeço
E desço as escadas que levam a minha alcova
Porão deserto, deserto frágil de mim.